quinta-feira, 26 de julho de 2007

Felizes Maltrapilhos!



Uma das coisas que mais me emociona quando leio o Evangelho é a nítida preferência de Jesus por estar entre maltrapilhos, desvalidos, desesperançados, miseráveis, beberrões, prostitutas, ladrões, leprosos... gente que a sociedade já condenou, sem ao menos ouvi-las, ao inferno do isolamento moral, da indignidade e da solidão. Aliás, é essa a imagem que extraio da Bíblia com relação ao inferno: desesperança, como conseqüência da separação eterna de Deus. Ele (Jesus) chegou a ser acusado, pelos religiosos da época de ser um beberrão e glutão que vive de dar festas pra pecadores. E, por certo ponto de vista, eles tinham razão. Convidar alguém pra comer em sua casa na tradição judaica da época (e suspeito ser assim ainda hoje) não era simplesmente uma gentileza, e, muito menos um gesto fino pra demonstrar boa educação. Quando um judeu convida alguém pra dividir uma refeição em sua própria casa, significa que ele quer relacionar-se com a pessoa, aproximar-se dela, julgando-a digna de sentar-se com ela em sua mesa. Significa que ele quer dividir não só a comida, mas também um pouco da própria vida com o convidado. É provável que Jesus tivesse uma residência semipermanente (talvez a dividisse com Pedro, em Cafarnaum), pois voltava pra casa depois de suas viagens missionárias e, freqüentemente, lá agia como anfitrião. E, como diz Brennam Manning, a sua lista de convidados era um desfile de mulambentos (vendedores ignorantes, mulheres “da vida, senhores de cortiço, jogadores...) Ora, era exatamente essa a idéia de Jesus: compartilhar sua Vida com aquelas pessoas, devolvendo-lhes a dignidade negada pelos seus patrícios.
A mensagem do Mestre para mundo era nítida como um reflexo em limpas águas:

“Eu vim pra que tenham Vida e a tenham em abundância.”
“Vinde a mim todos os que estão cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.”

Em resposta aos seus críticos fariseus (os religiosos de seu tempo), que achavam que um profeta não poderia andar com esse tipo de gente, muito menos recebê-los em sua casa, Ele arrasava:

“Eu não vim para os sãos, mas para os que estão doentes.”
“O Filho do Homem veio buscar e salvar os que estão perdidos.”
“Bem-aventurados os pobres de espírito... os que tem sede de justiça...os que sofrem... os que choram, porque eles serão consolados”

Era como se Jesus dissesse pra os “doutores da Lei Divina”: Esses pecadores, essa gente que vocês “escarram”, estão muito mais perto de Deus do que vocês. Eles, por terem sua vida maltratada pelo pecado, podem mais facilmente se arrepender. Vocês, no entanto, tão seguros de sua devoção e “santidade” não conseguem enxergar qualquer necessidade de conversão. Nas palavras de Brennam, essas pessoas dão valor à bondade de Deus, são um paradigma do Reino diante de vocês, pois elas têm o que lhes faltam: uma profunda gratidão pelo amor de Deus e um profundo assombro diante da sua misericórdia.
Penso que quanto mais próximo e consciente está o homem do lugar de sua condição miserável, mais perto Deus está dele do que em qualquer outro local! Ele não está nem mesmo na igreja, se está já subiu no pedestal de sua própria santidade, a ponto de enxergar as pessoas “mortais” como inferiores (vê-las de cima), ou pior, desprezando-as... trancando-se com grades a cadeados dentro de suas paredes no domingo a noite.
Penso também, que se Jesus tivesse escolhido vir a este mundo em nossa geração. E mais, escolhido Fortaleza pra nascer e começar seu ministério, Ele certamente não nasceria nas bem equipadas maternidades particulares da Aldeota nem pregaria nas suntuosas catedrais de grandes igrejas, não... Creio que viria ao mundo num barraco improvisado ás margens inundadas do Rio Maranguapinho no inverno e evangelizaria em pleno centro da cidade, no Beco da Poeira (para muitos, a Feira dos Malandros da Praça da Lagoinha) fazendo a alegria da “galera”, sentaria num banco da Praça do Ferreira no fim de tarde batendo um papo sobre a Vida com os velhinhos que ali se reúnem ou, se fosse a noite, conversava com embriagados, michês, mendigos e crianças que fazem daqueles bancos suas camas de dormir. Para essas pessoas, que tinham suas histórias marcadas pelo desprezo e pelo preconceito, a mensagem do evangelho É chegado a vós o Reino dos Céus era, realmente, uma boa-nova, mais do pra qualquer um! Deus não os esqueceu , o Próprio escolheu ficar no meio deles. Imagine o senso de dignidade há muito não sentido por essa gente, que Jesus lhes devolvia ao saberem que a Divindade os ouvia, conversava com eles, convidava-os a participar de sua mesa, num farto banquete espiritual! Talvez Jesus nem desse muita importância a gente como eu e você que temos acesso a um computador, a não ser que subíssemos numa árvore, como fez o abastado Zaqueu (Lc 19:1-10), pra suplantar a multidão de maltrapilhos felizes, cheios de esperança e dignidade só por estarem na presença de seu Rei, o meigo nazareno.

A opção de Jesus pelos miseráveis de espírito, desafia os cristãos do nosso tempo a se despojarem das vestes de seda da sua própria justiça e esforço espiritual para, finalmente, assumirem os "maltrapilhos" trajes de sua humanidade e, só assim, poderem ser alcançados pela graça libertadora do Senhor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bela percepção da maravilhosa e tão mal compreendida graça de Deus.