domingo, 23 de novembro de 2008

O Senhor das Estórias 3 - Sem débitos e sem créditos.



"Mestre Benjamin", disse um menino. "Queremos ouvir estórias que o senhor das estórias contou!"


Mestre Benjamin parou e pensou por onde começar.


"Deus nunca foi visto por ninguém. Por acaso a gente vê os próprios olhos? Quem vê os próprios olhos é cego. Para ver com os olhos é preciso não ver os olhos... Deus é como os olhos. Não podemos vê-lo para ver através dele. Deus é um jeito de ver."


"Mas uns homens tolos, querendo ver Deus, fizeram um deus com pedaços deles mesmos. E assim, inventaram um deus à sua imagem e semelhança. E, como muitos homens têm corações maus, eles inventaram um deus parecido com eles mesmos, um deus mal que provoca medo. Disseram até que esse Deus tem uma câmara de tortura chamada inferno, onde tranca seus desafetos por toda eternidade..."


Essa parábola o Senhor das Estórias contou para que os homens parassem de pensar tolices sobre Deus. A estória é assim:




"Era uma vez um pai que tinha dois filhos. Um deles, o mais velho, era o filho que todo pai gostaria de ter: trabalhador, responsável, cumpridor dos deveres. O mais jovem era o filho que nenhum pai gostaria de ter: malandro, gastador, irresponsável. Cansado da monotonia da vida na casa de seu pai, pediu a parte da herança que lhe pertencia e se mandou para o mundo, caindo na farra, gastando tudo. O dinheiro acabou, a fome chegou. Teve de trabalhar para comer. O único emprego que arranjou foi o de guardadror de porcos. Aí se lembrou da casa paterna e ficou com saudades. E pensou que lá os empregados passavam melhor que ele. Imaginou que seu pai bem que podia contratá-lo como um dos seus empregados, já que não merecia voltar como filho. Voltou. O pai o viu de longe. Saiu correndo ao seu encontro e o abraçou. Antes que o pai falasse qualquer coisa, ele disse: 'Pai, peguei dinheiro adiantado e gastei tudo. eu sou devedor. Tu és credor'. Mas o pai lhe respondeu: 'Meu filho, eu não somo débitos...'. Ato contínuo, ordenou uma grande festa com música e churrasco. O irmão mais velho estava no campo trabalhando. Ao voltar para casa, ouviu a música, viu o rebuliço. Como estava todo sujo, não quis entrar. Chamou um dos empregados e perguntou: 'O que é que está acontecendo?' O empregado respondeu: 'O teu irmão voltou. A festa é por causa dele!'. Ele ficou muito bravo e se recusou a entrar. O pai foi ao seu encontro e foi isso que seu filho lhe disse: 'Pai, trabalhei duro, nunca recebi meus salários, não recebi minhas férias e jamais me destes um cabrito para alegrar-me com meus amigos'. O pai sorriu e lhe disse: 'Meu filho, eu não somo créditos...'.


Mestre Benjamin se calou.


"Explique-me essa estória, acho que não entendi", disse um homem.


Mestre Benjamin respondeu: "Há pessoas que pensam que deus se parece com um banqueiro que tem um livro de contabilidade onde registra os débitos e os créditos dos homens para acertos futuros. Os débitos, chamados pecados, serão punidos. E os créditos, chamados virtudes, serão recompensados. Mas Deus não se parece com os banqueiros. Ele não tem um livro de contabilidade. Deus não tem memória: não pune pecados, nem recompensa virtudes. É como um regato de águas cristalinas. Não importa que joguemos nele os nossos detritos. Ele continua a jorrar águas cristalinas...". (Paráfrase. Lucas 15, 11)





Rubem Alves

domingo, 19 de outubro de 2008

Filme 2 - ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA


Que digam que Saramago foi (é) comunista, que foi (é) admirador de Fidel, que tem posicionamentos questionáveis quanto aos judeus, eu até compreendo. Agora, que ele é ateu (ainda que o próprio tenha dito)... ah, isso eu duvido muito e tenho a impressão que ele duvida também, rsrs. Brincadeiras a parte, digo isso porque assisti recentemente à versão cinematográfica do seu livro Ensaio Sobre a Cegueira feita pelo Fernando Meireles e... que mensagem divina! Uma verdadeira parábola contemporânea. Como um conto explicativo para as palavras de Jesus: "A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz. Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão tais trevas!".

A película trata das inúmeras possibilidades de vida (destrutivas ou redentoras da humanidade) que a cegueira pode nos proporcionar. Toca em questões delicadas como preconceito, consumismo, estética... numa "narrativa" em que a solidariedade e o amor prevalecem no final como valores intrínsecos à própria humanidade.

Durante o filme, ao perceberem a cegueira coletiva, alguns disseram, É juízo divino por causa dos nossos pecados. Ao que um padre respondeu (mais ou menos assim), Não, Deus não age dessa forma, lembrem do apóstolo Paulo, Deus o converteu pela cegueira, uma cegueira branca. Eu complemento: Não terá de ser assim também conosco?!

Uma produção emocionante e imperdível pra quem tem olhos para ver.

Parafreseando o Cristo: Quem tem olhos para ver, veja!


José Saramago assiste ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: http://br.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY

sábado, 16 de agosto de 2008



O homem não é o único animal...
que constrói casa, mas é o único que precisa de fechadura
... que foge dos outros,mas é o único que chama de retirada estratégica
... que se ajoelha,mas é o único que faz isso voluntariamente
... que trai, polui e aterroriza,mas é o único que se justifica depois
...que engole sapo,mas é o único que não faz isso pelo valor nutricional
... que faz sexo, mas é o único que precisa de manual de instruções.




Luis Fernando Veríssimo

terça-feira, 15 de julho de 2008

A escuridão me basta


Senhor, é quase meia-noite e estou Te esperando na escuridão e no grande silêncio.
Lamento todos os meus pecados.
Não me deixe pedir mais do que ficar sentado na escuridão, sem acender alguma luz por conta própria, nem me abarrotar com os próprios pensamentos para preencher o vazio da noite na qual espero por Ti.
Deixa-me virar nada para a luz pálida e fraca dos sentidos, a fim de permanecer na doce escuridão da Fé pura.
Quanto ao mundo, deixa-me tornar-me para ele totalmente obscuro para sempre. Que eu possa, deste modo, por esta escuridão, chegar enfim à Tua claridade.
Que eu possa, depois de ter me tornado insignificante para o mundo, estender-me em direção aos sentidos infinitos, contidos em Tua paz e Tua glória.
Tua claridade é minha escuridão. Eu não conheço nada de Ti e por mim mesmo nem posso imaginar como fazer para Te conhecer.
Se eu te imaginar, estarei errado.
Se Te compreender, estarei enganado.
Se ficar consciente e certo que Te conheço, serei louco.
A escuridão me basta.


Thomas Merton


terça-feira, 8 de julho de 2008

Você já sentiu vontade de manipular o Todo-poderoso?


Você já sentiu vontade de manipular o Todo-Poderoso? Já sentiu vontade de encontrar uma palavra que tocasse tão profundamente o coração do Senhor para que Ele decidisse fazer o que você deseja? Ou simplesmente já orou com uma cara de dissimulada humildade, desejando no fundo da sua alma que Ele se comovesse e atendesse as suas súplicas? Não? Você nunca fez isso? Nunca sentiu nada disso? Bem, se sua resposta é NÃO mesmo, então tô ferrada por fazer uma confissão assim tão publicamente, pois já me vi inúmeras vezes tentando manipular o Criador.

Estar diante de um Ser do qual não existe nada impossível para Ele e que tem o coração cheio de amor por mim é, desculpe a expressão, tentador demais. Não consigo resistir. Todas as vezes penso: "Dessa vez pode dar certo!". E haja falácia. Me sinto com uma espingarda na mão, á caça de uma palavra, uma só, unzinha apenas, que comova o coração desse Deus. Silêncio do alto. Os dias vão passando e nada do que pedi acontece. Então me aparece alguém me falando do tempo de Deus. Sim! Eclesiastes, capítulo três. Esperança! "Dessa vez pode dar certo!". Lá vai eu pro meu quarto, pra minha cadeira de balanço e haja tentativa de manipulação. Não desejo muita coisa, não! Só que Ele mude o curso da História por minha causa, como fez o Super-Homem por sua jornalista amada. Falo, falo, falo. Silêncio. Tento mais um pouquinho, afinal "água mole em pedra dura...".

Aos poucos estou descobrindo que Ele NUNCA irá mudar o curso da História por minha causa. Ele não é o Super-Homem, Ele nem é homem, Ele é Deus. Não existe nenhuma criptonita que possa tirar Sua força, não necessita de disfarces. A história segue seu rumo do jeito que Ele quer.Mas descobri algo: Ele mudou o curso da MINHA história e tem transformado o MEU coração. Por mais que eu queira pigarrear e fazer de conta que nada mudou, a realidade é que TUDO mudou em mim. Pingos de amor em um coração de pedra resultou em quebrantamento.Água divina em coração de pedra me fez curvar e implorar que Ele realize o desejo Dele na minha vida porque o desejo Dele é o the best. Para isso não é preciso manipulação, nem palavras persuasivas. Basta estar na Sua presença, mesmo que seja em silêncio e lhe entregar o coração, mesmo que seja um coração de pedra e manipulador.


Rosane de Castro
Julho/2008

domingo, 20 de abril de 2008

SOBRE O ROUBO DA ARTE NA IGREJA PÓS-MODERNA - 3ª Parte



A modernidade também produziu seus efeitos maléficos sobre todas as coisas artísticas. Nos últimos dez anos muito tem sido dito sobre a pós-modernidade, e muitos evangélicos têm feito advertências contra ela, classificando-as de uma visão de mundo perigosa. Qualquer uma das lendas por meio das quais o mundo é observado tem de ser estudada criticamente, e suas deficiências devem ser apontadas. Para os cristãos, todas as visões de mundo comprometem as definições de crença e precisam ser severamente criticadas. Colocar a pós-modernidade à luz da modernidade como sendo sua peneira é dar à modernidade uma autoridade perigosa, mas aparentemente natural dentro do mundo evangélico. A própria modernidade é uma visão de mundo deficiente. É o fracasso da modernidade em cumprir suas grandes promessas de um mundo melhor que tem promovido a sua morte.

Sob a influência da modernidade, a igreja ficou obcecada por definições e pela consistência doutrinária. A modernidade se baseou no raciocínio científico e racional de que tudo poderia ser provado pela experimentação humana e de que esta exploração do campo científico poderia resultar em um mundo superior e em um ser humano muito melhor. Em muitos sentidos esta visão de mundo foi vista como uma grande ameaça ao mistério da fé. O modernismo foi colocando de lado o mistério e a fé em um mundo invisível e sobrenatural, e substituindo esse mundo por um outro que podia ser explicado em termos científicos. Que o Cristianismo tenha sido capturado por este tipo de pensamento parece um pouco inconsistente, mas isso gerou alguns séculos de teologia sistemática, apologética e ênfase exagerada na palavra falada e escrita na comunicação da verdade cristã. essas coisas em si mesmas são de grande ajuda para a causa do Cristianismo no mundo, mas a perda do mistério, da experiência e de qualquer representação artística do Evangelho foi danosa.

A Bíblia usa uma vasta gama de maneiras criativas para comunicar a verdade: a lei, a história, os poemas, as canções, a literatura, o lamento, a profecia, os provérbios, os sonhos, os anjos, os milagres, as parábolas, as pregações, as cartas e as visões.

Quando os evangélicos do mundo decidiram que a Palavra pregada era a maneira mais eficiente de Deus para comunicar, eles desprezaram o fato de que quando Jesus nasceu, Deus estava dizendo, entre outras coisas, que aqueles veículos de comunicação não eram suficientes e que a Palavra havia se tornado carne (Jo 1.1-14). A Palavra de Deus é muito mais do que palavras. A modernidade coagiu os cristãos a tomarem a carne e transformá-la em palavras novamente. A arte sofreu. Não era um tipo definido e claro de racionalismo... As histórias e as canções podem ressaltar alguns pontos da verdade e fracassar em cobrir todos os aspectos do Evangelho. Eles não perceberam que Jesus deixou de fora a doutrina crucial da propiciação na parábola do Filho Pródigo (Lc 15. 11-32).

continua...

Steve Stockman, ministro presbiteriano na Irlanda.
Ilustração: Moisés, de Michelangelo.

domingo, 13 de abril de 2008

SOBRE O ROUBO DA ARTE NA IGREJA PÓS-MODERNA - 2ª Parte

A igreja tem sido roubada. Roubada da arte. Roubada da imagem criativa de Deus.
Quem roubou a igreja? A igreja tem roubado a si mesma e muitas visões de mundo e ideologias bem intencionadas através dos séculos têm sido as ferramentas usadas nesse roubo.
A Reforma nos roubou a arte. Quando Martinho Lutero descobriu que podia ser justificado diante de um Deus santo pela graça de Deus e através da obra de Cristo (Rm 3. 21-26), este foi um momento crucial na história da igrela. Na divisão dentro do catolicismo romano, muitas decisões nos primeiros dias do protestantismo foram tomadas como reação ao rompimento com o catolicismo. Com muitas e boas razões à época, os reformadores reagiram às estátuas de santos, que ás vezes substituíam Deus como foco da oração das pessoas. Privar a igreja de qualquer arte parece ter sido uma resposta bem carente de equilíbrio. Os reformadores mais do que depressa citavam o segundo mandamento, no qual Deus diz ao seu povo: "não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra ou nas águas debaixo da terra. Não te prostarás diante deles, nem lhes prestarás culto..." (Ex 20.4). O mandamento, no entanto, não proibia arte na igreja. Onze capítulos depois doa mandamentos encontramos que a primeira pessoa a ser descrita na Bíblia como sendo cheia do espírito de Deus é Bezaléu, a quem Ele havia dado "destreza, habilidade e plena capacidade artística" (Ex 31.1-11). E ele deve usar estes dons divinamente concedidos para decorar o Lugar Santo da adoração. Hoje, a maioria dos lugares para adoração não evocam nas pessoas o coração criativo de Deus. As pessoas estão mais propensas a pensar que as igrejas foram roubadas. As artes são periféricas.

continua...

Steve Stockman, ministro presbiteriano na Irlanda.
Ilustração: A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO, de Rembrandt

domingo, 6 de abril de 2008

Refletindo Educação 3 (Educação Especial)


"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive sem ter consciência de que é dono do seu destino.

"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.

"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão, pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.

"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam da sua ajuda.

"Diabético" é quem não consegue ser doce.

"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

"Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.


Mário Quintana

domingo, 30 de março de 2008

SOBRE O ROUBO DA ARTE NA IGREJA PÓS-MODERNA - 1ª Parte



... um jovem trabalhador estava mostrando uma igreja protestante a um grupo católico. Quando o grupo entrou no edifício e no santuário, um menino católico romano gritou assustado: "vocês foram roubados!". Comparada a uma capela católica, com suas estátuas, ícones e multipLicidade de representações artísticas, o templo presbiteriano básico, vazio, monótono e opaco representou um choque cultural significativo.

Deus como Artista: No outro lado do cosmos, em outro lado do tempo, Deus moveu-se através do caos e começou a imaginar. Cores - azul e verde, vermelho e amarelo. Todas as cores de algum modo se misturaram. Como seria o verde junto com o azul, e uma pequena faixa de dourado para juntar-se aos dois? Montanhas. Oceanos. Praias. Rios. Árvores. Precipícios. Vales. Formas, texturas, cheiros e paladares. Todas estas coisas existiam na imaginação de Deus, antes mesmo que Ele decidisse torná-las realidade e criar sua obra-prima, o mundo. Deus foi o Criador (Gn 1:1). A primeira coisa que aprendemos sobre Ele nas Escrituras é que Ele era um artista. Quando lemos que o homem foi criado à imagem de Deus, a única coisa que sabemos sobre Deus é que Ele era um artista (Gn 1:26).

Isso deveria ter um profundo impacto sobre os que dizem crer, adorar e seguir Seus caminhos, desenvolver sua salvação e trazer Seu Reino a esses primeiros momentos do século XXI.


Por Steve Stockman, ministro presbiteriano na Irlanda.
Foto: Profetas de Aleijadinho

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

"Papo no Botequim Celeste" ou "O Dia em que Sérgio Pimenta chegou ao céu"




Aquele parecia ser apenas mais um dia tranqüilo em terras celestiais. Quem corresse os olhos pelo lugar, veria Abraão, Paulo e Jeremias conversando animadamente enquanto praticavam o cooper matinal ou Moisés narrando pela milésima vez, a um grupo de recém chegados, toda a epopéia da travessia do Mar Vermelho.
Já no barzinho da Academia de Poetas Celestes, a animação corria solta enquanto nas caixas de som rolavam músicas do disco de Vento em Popa. Contrastando com a tranqüilidade das músicas, uma angelical garçonete transitava apressada entre as mesas carregando bandejas de papos de anjo, pastéis de santa clara e outras iguarias divinas. Numa mesa um pouco mais afastada, dois homens conversavam calma, serena e tranqüilamente enquanto beliscavam toucinhos do céu: eram Janires e Jairinho.
A conversa seguia o rumo de uma nova parceria musical quando a garçonete se aproximou com ares de novidade. Depositou a bandeja vazia na mesa e curvou-se antes de dar a notícia.
- Vocês já sabem quem chegou na área? – sem esperar resposta, a garçonete foi logo dizendo – Sérgio Pimenta.
- Sérgio Pimenta? - perguntou Janires dando um salto da cadeira.
- Nosso poeta maior? – diz Jairinho imitando o gesto de Janires
- Você tem certeza, irmã? – indaga Janires ainda perplexo.
- Acabei de cruzar com ele nos corredores – confirma a garçonete meio alvoroçada – não foi ninguém que me contou não, eu vi.
- Que coisa, rapaz – comentou Jairinho deixando-se cair na cadeira – moço tão novo...
- É nóis não era? – emendou Janires meio gaiato, depois, completou um pouco mais sério e sentando-se. – Cara, não sei se choro ou dou risada. Pô, Jairinho, o cara não está mais na terra... vai ficar com a gente, agora... Maneiro.
- Traz ele pra cá – pede Jairinho já puxando uma outra cadeira pra junto da mesa.
- E já diz pra ele trazer um violão – completa Janires.
- Assim que ele terminar de preencher as papeladas lá no escritório – diz a garçonete enquanto recolhia com destreza pratos e taças que estavam sobre a mesa.
- Santa burocracia – comenta Janires sem esconder o sorriso.
Minutos depois a solícita garçonete chega trazendo o novo hóspede que é recebido calorosamente pelos dois. Depois das apresentações formais e abraços os três sentam-se à mesa. A garçonete chega logo em seguida com a bandeja cheia e abastece a mesa com fartura.
- É sempre assim, por aqui? - pergunta Pimenta com a inconfundível voz grave e o sorriso largo iluminando a face.
- Não – explica, Jairinho – só quando chegam as celebridades. Os três caem na risada dando uma idéia de como seria a convivência entre eles.
- Então, irmão, me conta como estão as coisas lá embaixo – perguntou Janires tocando levemente o braço de Pimenta.
- Não mudou muito desde que vocês chegaram aqui, não – respondeu - tem muita gente achando que está fazendo música, outras mais preocupadas com grana, prestigio, sucesso e tem aquela turminha de sempre, pequena, lutando com disposição para que a música cristã não caia totalmente na mesmice.
- É, então não mudou muita coisa mesmo... – ponderou Jairinho – é porisso que eu estava pensando numa coisa, você vai fazer uma falta danada lá embaixo...
- Vou não, Jairinho, ficou muita gente boa por lá. Tem o João Alexandre, o Jorge Camargo, Rehder, Bomilcar, Guilherme, Gerson Ortega, Josué Rodrigues, enfim...
- Até aí você tem razão, mas minha preocupação, Pimenta, é com o futuro – diz Janires cofiando a barba e meio introspectivo – com o futuro... Quem vai trilhar os teus passos? Esse lance dos grandes esquemas de gravadoras, super produções, da grana, da vaidade acima dos interesses do Reino vai acabar complicando tudo. O que tú acha?
- Janires – começou Pimenta enquanto se ajeitava melhor na cadeira – quando eu estava vindo pra cá esta preocupação bateu forte em mim também. Afinal de contas esses caras todos que citei já não são mais crianças. Mas aí lembrei de uma noite em que resolvi ir a uma igreja no subúrbio do Rio. Lugar pobre, meio esquecido. Fui pra assistir mesmo, não ia cantar. E lá, cara, conheci um moço, quase menino, que cantou sozinho com um violão até meio detonado. A música daquele menino, que me pareceu muito tímido, me tocou tanto, passou tanta verdade, tanta poesia... dava pra sentir claramente que a graça de Deus estava sobre a vida dele, entende? Cada música linda que ele compõe... saí de lá sem poder conter as lágrimas.
- Sério, vélho? – questionou Janires se aproximando ainda mais de Pimenta. – Conta mais.
- Pois é, rapaz – continuou Pimenta – meio de longe continuei acompanhando os passos do moço e as noticias que me traziam eram as melhores possíveis. Ele é cristão desde garoto, é sério, comprometido com o reino mesmo. Até acho que ele foi tocado pela tua música, Janires, teus rítmos, tua descontração. O menino lá é cheio de brasilidade.
- Então puxou pra tú, também, irmão – complementou de primeira Janires dando uma sonora gargalhada.
- É, pode ser – pensou Pimenta. O que eu sei é que vê-lo e ouvi-lo cantar, com toda sua simplicidade, humildade, poesia e talento me encheu de esperanças.
- Me diz uma coisa, Pimenta – questionou Jairinho – É como é o nome do moço?
- O nome dele é Gerson Borges, carioca como eu, nascido no subúrbio.
- Tem som até no nome – brincou Janires – já é um bom começo.
Sérgio Pimenta riu com gosto, depois sorveu com prazer o último gole que restava na taça e conclui.
- E isso não é tudo, depois, conversando com amigos, fiquei sabendo de outros caras tão jovens quanto ele que estavam começando a despontar aqui e ali. Caras com o mesmo talento do menino que eu conhecera. Me falaram de um tal de Silvestre em São Paulo, uma dupla de meninas que cantavam muito, Cíntia e Silvia, se não me engano, um rapaz chamado Tiago, de Campinas, uns caras do Nordeste, Diamanso e Carlinhos Veiga, um poeta chamado Stênio...
- Não diga, rapaz – diz um espantado e feliz Jayrinho.
- Toda semana ouvia um nome novo: Glauber, Priscila, Jonas, Fabinho, Gladyr, tinha até um argentino fazendo música brasileira com competência, não me lembro o nome dele... Cláudio!!, lembrei.
Janires, a esta altura estava de pé, visivelmente emocionado e já havia enchido as taças novamente. Depois de servir Pimenta e Jayrinho, ergueu sua taça na direção dos amigos como que propondo um brinde.
- Você não sabe o quanto me alegra ouvir isto, Pimenta. Tuas noticias me encheram de esperança. Que Deus levante, a cada dia, gente em todos os cantos desse nosso Brasil sofrido. Gente cheia de graça e talento, que coloque Seu reino acima de todas as coisas. Que vivam pra servir ao Mestre das Canções, se servindo dos nossos mais variados ritmos e sons.
- Falou bonito, moço – diz Pimenta enxugando os olhos marejados na manga da camisa.
- Falou tudo – completa Jayrinho
Os três brindam, bebem, sentam-se e continuam o papo que tinha tudo pra durar uma eternidade.

Por Isaías de Oliveira

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Para "cansados e sobrecarregados"


A idéia de Deus é que nos acheguemos cada vez mais à sua presença. Ele sabe que sua presença é purificadora, restauradora. É onde há aconchego e paz.Para tanto, é necessário tomar o caminho em sua direção. Jesus é o caminho, a estrada que nos leva ao Pai.E para seguir essa trilha de restauração é preciso estar "Cansado e sobrecarregado", é necessário estar sedento de justiça para ser "Saciado". Carente de paz para receber da paz que o mundo não pode nos dar, aquela que "Excede todo entendimento".Enfim, é um caminho para os fracos que mal conseguem se colocar de pé quanto mais caminhar. É estrada longa em que só pode percorrer quem não se importa de ser carregado durante a viagem.


Eduardo Cruz