Marina e LéoUma querida amiga, a quem vou referir-me pelo fictício nome Marina, ia conversando comigo a respeito de sua preocupação com Léo (outro pseudônimo), seu filho, enquanto voltávamos do trabalho.
Léo, dizia ela, andava muito rebelde nos últimos tempos. Sim, eram os anos rebeldes da adolescência. Aliás, em qual faixa etária começa realmente esse período, heim?! Minha mãe me diz que nunca passou por "esse negócio de adolescência", simplesmente porque esse termo nem existia no universo vocabular dos meus avós ou de seus contemporâneos. Há uns anos atrás, quando completei minhas doze primaveras, disseram-me que não era mais uma criança, que estava "virando rapaz", um adolescente. Hoje, já chamam essa idade de pré-adolescência. E no conviver diário com meus alunos, já percebo características pré-adolescentes nos meninos e meninas de nove... dez anos, em quem vejo uma erotização precoce tal que, nessa idade, eles já querem me dar aulas de como conquistar umas "gatinhas". Adoro trocar idéias com esses conquistadorezinhos durante o intervalo. Confesso que tenho reaprendido um "montão" de coisas, rsrsrs.
Mas, voltando ao Léo, o rapaz que sempre fora um aluno responsável com suas tarefas escolares, agora assistia prova após prova, suas notas escorrerem pelo ralo de tão baixas que estavam. Sua turminha era esquisitíssima, comentava Marina, uma "galera" cheia de balangandãs pós-modernos de deixar Carmem Miranda "passada": piercings, colares pesadíssimos ( alguns mais pareciam coleiras de pitbull ), tatoos espalhadas pelo corpo...
O que mais deixou sua mãe intrigada foi que Léo certa vez apareceu "altas horas" da noite em casa com os olhos pintados. Ou eram os cílios? Não. Sombra nos olhos! Ah, não lembro como Marina me falou exatamente. Entendo muito pouco de maquiagem, mas foi algo assim... de natureza estético-ocular.
Marina ficou perturbada. Pensou: Será que o Léo é gay? Alguns dos amigos dele já deu pra ver que são. Ainda continuou "viajando"... Lembrou-se de uma vez em que ele lhe perguntou: Mãe, se eu fosse homossexual, a senhora me amaria do mesmo jeito?
Foi nesse momento que fitei os olhos no rosto de Marina com espanto e curiosidade querendo saber qual sua resposta àquela questão tão sincera. Ela, pra minha surpresa, disse que nada mudaria, pois o amor que sentia por Léo estava muito além disso. Contudo, disse ela para o filho, que iria interceder muito por ele, pois julgava não ser essa a vontade de Deus para o rapaz.
Independente da posição de Marina sobre a homossexualidade ser ou não o própósito divino para seu filho, fiquei surpreso pela abertura franca, e portanto, sensível que existia entre Marina e Léo, mãe e filho, experiência e juventude. Vinte anos de distância transformados em nada diante da proximidade dos dois naquele diálogo.
Pasmei ainda mais quando Marina disse que chegou a perguntar "na bucha" mesmo se o filho era gay, e Léo respondeu como quem está indeciso entre comer um sorvete de morango ou chocolate. Não sei mãe, disse ele, ainda não senti tesão ao ver ou estar perto de uma mulher, tampouco me sinto atraído por homem algum... minha sexualidade ainda é muito "minha".
Meu espanto aumentou quando Marina me pediu um conselho, uma opinião. Mais que isso: o que eu poderia dizer-lhe que a fizesse lidar melhor com aquela situação.
Sorri, ainda bobo, e brinquei: Como você ousa, minha amiga, me pedir para orientá-la, se seu relacionamento com seu filho é tão amorosamente escancarado e sem máscaras? Como você pode se sentir confusa em meio a clareza com que vocês se colocam um para o outro? Com que tipo de esnobismo me pede algo assim, sabendo que existem milhares de famílias que esticam as filas em consultórios de psicanálise, lotam salões de terapias de grupo, esgotam títulos de auto-ajuda nas livrarias por causa do abismo de gerações entre pais e filhos? Conflitos que talvez fossem resolvidos com uma única palavra de compreensão. Ah, se conhecêssemos o altíssimo valor das palavras que revelam o profundo da alma ao nosso Semelhante.
A verdade é que insistimos em não crescer na área dos relacionamentos. A sociedade capitalista é cada vez mais avessa a compromissos afetivos em nossas relações. Continuamos fechando o vidro do carro e trancando-nos na frieza do ar condicionado, pondo grades nas portas e janelas de nossas casas e corações, cultivando o que o poeta chama de "superficial, risos polidos, relacionamentos de alô". Permanecemos evitando abraços na infeliz tentativa de parecermos fortes e invulneráveis.
Quando penso na incomensurável fatia da vida que deixei de saborear por causa do medo de me mostrar, de "dar a cara à tapa", de confessar minhas fraquezas e externar minhas alegrias naquilo que me dá prazer, de conviver enfim... meu Deus, impossível não lembrar do Epitáfio dos Titãs: "queria ter amado mais... arriscado mais... ter visto o Sol nascer..."
Marina, disse pra ela, você e seu filho já têm o que uma quantidade infindável de famílias ainda não possuem. Vocês têm um ao outro. Vocês podem se ver mutuamente como quem contempla a própria imagem num espelho d'água, através do exercício da compreensão. E, sendo assim, vossas almas estão ligadas por cordões eternos. Pode um objeto não ter sua imagem refletida no espelho na presença da luz? É possível, diante da luz, separar o corpo da própria sombra? Vejo a Luz em vocês! A vida certamente lhes fará passar por túneis "onde só tem o breu", por bêcos escuros e imundos, entretanto, como diz o sábio: "o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã". Depois outra noite, outra manhã... mais uma noite, novo amanhecer... até raiar o Dia perfeito na eternidade.