No seu maravilhoso e irreverente Sermão da Montanha, o Mestre dos Mestres nos ensina lições valiosíssimas a respeito de um Reino de Amor que se instalava no coração de muitos desde Sua vinda ao mundo tempestuoso dos humanos.
Digo maravilhoso, por que mais do que em qualquer outro discurso, o meigo Nazareno imprime à sua narrativa um tom quase poético e, por isso mesmo, belíssimo! Em certa altura de seu depoimento ele diz:
Não andeis ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais que o mantimento, e o corpo, mais que a vestimenta? Olhai para as aves do céu! Não semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?... Olhai para os lírios do campo! Como eles crescem! Não trabalham nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão em toda sua glória, se vestiu como qualquer deles. E, se Deus assim veste assim a erva do campo, também não vos vestirá a vós, homens de pequena fé?
Ah... esse é um dos textos cristãos em que a sensação da Beleza (como diria Rubem Alves) mais me invade a alma, destronando meus medos interiores!
Irreverente, porque Jesus rompe com a religiosidade hipócrita e rancorosa da época em muitos momentos. Quando, por exemplo, ele dispara:
Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, porque faz com que seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos.
E aqui é exatamente onde quero chegar. Ao final dessa fala, o Cristo nos revela uma importante mensagem. Talvez o tema central da sua vida e de seu testemunho aos homens. Jesus diz: Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai. Ao contrário do que muitos podem pensar, Jesus não está insinuando que para sermos como Deus, nossa vida não pode ter falhas, tampouco querendo nos impor o código moral do seu Sermão como um conjunto engessado de regras que, se não obedecidas, nos levarão ao desapontamento do Pai para conosco. Quando lemos esse mesmo texto narrado por São Lucas, podemos descobrir, finalmente o que o Filho de Deus quer nos mostrar. Em Lc 6: 36, o versículo de Mt 5: 48 (sede perfeitos...) é lido assim:
Sede, pois, misericórdiosos, como também vosso Pai é misericordioso.
A perfeição a que o Senhor se refere é a perfeição do Amor. Deus é Amor! E, se quisermos, nos parecer com Ele, deve ser cultivada em nós a compaixão pelo próximo, dom que é Ele mesmo quem nos dá quando nos abrimos para um relacionamento com Deus.
São Tiago chega a firmar em sua epístola sagrada: A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo. A vida de Jesus, como diz Brenna Manning, é um exemplo claro de que ser cristão é exercer o dom da compaixão. É não perder a capacidade de indignar-se com as injustiças. A sensibilidade ao sofrimento humano é o que nos faz mais parecidos com Deus. Afinal, não foi assim que Ele nos salvou? Identificando-se tanto com nossoas dores ao ponto de tornar-se um de nós para sofrê-las em nosso lugar, morrer e ressucitar, mostrando-nos que mesmo apesar da morte ainda podemos ter esperança?
Certa vez me perguntaram em que momento do culto dominical eu sentia mais forte a presença de Deus. Repondi, de início, que não sabia. Fui pra casa, entretanto, pensando na questão... e ao analisar algumas situações em que já senti a presença divina, encontrei a resposta:
-Em nenhum momento do culto, respondi numa outra oportunidade. O instante em que mais sinto o aconchegante calor divino queimar minha alma é quando tenho a chance de ajudar alguém que precisa de mim. Quando percebo que o Pai coloca alguém diante de mim, em geral as crianças da escola em que trabalho, para compartilhar Seu amor; quando me compadeço do choro do meu irmão (e, não poucas vezes, eu posso até estar pior que o irmão) e a misericórdia de Deus me impulsiona a oferecer o ombro pra ele molhar. Sim, é nesse momento que sinto a preciosa comunhão com Deus. Algo parecido com o que Jesus falou: "...para que vocês sejam um comigo, como eu sou um com o Pai."